Convite ao Desapego

“Não posso falar de uma realidade que seja independente do observador, seja esse observador eu ou o outro”. Esse pensamento, tradução livre da reflexão proposta por Humberto Maturana (neurobiólogo chileno, artigo “O que é ver”) me veio à mente quando tomei contato com o conteúdo da Plataforma Liderança Sustentável 2015.  Percebi meu olhar fazendo recortes e voltando-se para o desenvolvimento da liderança sustentável ao longo dos depoimentos.

Clique aqui para baixar nosso estudo completo e confira mais artigos de especialistas

Fica evidente, a meus olhos, que as empresas se preocupam em atrair e desenvolver líderes sustentáveis como importante diferencial competitivo. Ao mesmo tempo, percebo uma mesmice que vem acontecendo há décadas na forma como fazem as coisas, seja na atração ou no desenvolvimento de pessoas. Instigada por este olhar, provoco uma reflexão: Como podemos inovar e criar uma educação sustentável efetiva?

Percebo que o contexto atual é diferente do vivido até aqui, a começar pela complexidade. Pela incerteza de viver num tempo de maior volatilidade, em um ambiente ambíguo, que, por sua vez, gera uma enorme instabilidade. E, portanto, faz sentido para mim a citação de Albert Einstein: “ Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”.

Continuar a agir da mesma forma, com as mesmas ferramentas, seguir as mesmas teorias e fazer as mesmas promessas, já não faz mais sentido. Mas o que faz sentido, afinal? 

Para mim, faz sentido desapegar do que vivemos, buscando um novo olhar e novas perspectivas a partir das quais possamos chegar a resultados bem diferentes.

O modelo mental, até então, impõe aos líderes uma responsabilidade de super-homem.

Por que mesmo percebemos a liderança ainda ligada à uma hierarquia sempre superior?

Por que acreditamos que o líder é que deve ser um modelo?

Por que esperamos que o líder saiba mais que todos os outros?

E a mais irracional para mim: Por que não aceitamos o fato de que o líder também erra, ou pode não saber alguma coisa?

Deixar as certezas que temos é partir para um processo que nos parece impossível na cultura em que vivemos. Ao mesmo tempo, é um caminho que pode nos levar ao vazio que abre espaço para novos conceitos. Pode propiciar tomar contato com as nossas experiências e distinguir o que faz sentido a partir delas, deixando, assim, o apego a ferramentas, teorias e promessas do passado. Se me apego a algo, diminuo as possibilidades de perceber certas circunstâncias que surgem. Por essa perspectiva da reflexão, posso dizer que é mais sustentável aquilo que emerge como orgânico e de forma harmônica, individual e autêntica.

Um novo conceito surge quando provocamos as pessoas a refletir sobre o seu fazer, sobre o que as motiva, sobre o sentido das coisas.  Desta forma, aprender a aprender se torna o que há de vital no desenvolvimento da liderança.

Viver na era da complexidade exige integrar o físico, o mental, o emocional e o espiritual na convivência interdependente. Onde relações se complementam e o ser humano se transforma. Assim, os indivíduos, com suas diferenças, ligados por um propósito e significado comum, constroem um tecido social capaz de realizar ações onde o resultado é muito maior do que a soma das partes individuais. 

O convite é para desapegar de padrões e modelos de educação, passando a criar contextos onde os líderes aprendem e se desenvolvem na integração dos pensamentos: a) linear (causa e efeito, problema e solução), com o b) pensamento sistêmico (onde causa e efeito criam um sistema circular, produzindo padrões), incluindo o c) pensamento integrativo ou complexo (que olha a solução de fora para dentro – ampliando a consciência na reflexão do modelo mental). 

É o mesmo que criar oportunidades que possam apoiar as pessoas a aprender a aprender o que elas não sabem que não sabem.

Praticar, não só o conhecido desenvolvimento horizontal, que foca em acumular habilidades e repassar conhecimentos, como também provocar a aprendizagem vertical que atua no desenvolvimento da Cognição (integralidade e complexidade), Emoção (intrapessoal e interpessoal) e Moral (valores e perspectivas), promete ser uma experiência desafiadora e gratificante. 

Se a educação para a liderança sustentável somar a importância que vem dando ao desenvolvimento da capacidade de inspirar, planejar, controlar e comandar ao aprofundamento do autoconhecimento, ao estímulo à busca de propósito individual e coletivo, à capacitação para a gestão da complexidade, ao aprimoramento da habilidade de desenvolver relações de qualidade, incorporando diferentes perspectivas, e, sobretudo, ao aperfeiçoamento da capacidade de  ouvir atentamente e  colocar-se disponível a aprender, assumindo sua vulnerabilidade, creio que estaremos construindo um caminho novo para as organizações ocuparem um papel de destaque no movimento de transformação do modelo vigente.

Na plataforma de liderança sustentável encontramos empresas que se percebem corresponsáveis pelo futuro que queremos viver e colocam a sustentabilidade no centro da estratégia empresarial. Que dificuldade há em expandir este modo de agir?

Sei que, para alguns, estas mudanças radicais podem ser fascinantes, enquanto que, para outros, são de apavorar.  A reflexão é poderosa para que possamos aprender a gerir a polaridade de fascínio e apavoramento, quase que simultâneos, sem buscar uma solução. Já que não é um problema solucionável.

Por fim, sugiro que, em seu grupo de convivência, comece por provocar pessoas a sair da rotina e a desafiar a forma como fazem, a questionar a cada instante o porquê das coisas, perguntando-se a serviço do que fazem o que fazem. 

Será um ótimo começo para influenciar mudanças no desenvolvimento da liderança futura.

Minha experiência diz que, um simples estímulo ao autoconhecimento provoca mudança nas relações, criando maior confiança, determinada pela capacidade de conviver com base nas experiências e valores compartilhados.

Além disso, desenvolve o senso de bem comum e cooperação, que agrega valor sustentável para a vida pelas decisões que influencia.

O que podemos traduzir por um fazer ético. Que é diferente do fazer por fazer. A reflexão e o entendimento da complexidade estabelecem uma ação que não provoca o mal da própria pessoa, tampouco do outro ou do ecossistema. 

Denise Asnis é sócia-diretora da Oré Consultoria Educação e Desenvolvimento Profissional

Referência: Ideia Sustentável